TEMPOS DIFÍCEIS, PORÉM FELIZES
Na minha mocidade as coisas e os costumes eram muito diferentes dos atuais. Lembro que com meus 20 anos só saía com minha mãe e ainda assim somente para as festas de igreja. Naquele tempo, morava num lugarzinho chamado Riachinho e sempre participávamos das festas da padroeira da comunidade vizinha, Pedras. Essas festas eram muito boas, a comunidade enchia e animava a igreja. Não perdíamos por nada.
Foi numa dessas que conheci o grande amor da minha vida, Nicácio Jorge. Jamais tinha visto um rapaz tão bonito como aquele e com um terço na mão. Ele então veio conversar comigo e começamos a namorar. Somente depois de muitos anos de namoro e respeito, casamo-nos para viver uma vida de renúncias, mas também de paz.
Nossa primeira casa, dada pelo Sr. Zé Silva, era de chão de barro e tinha um terreno enorme onde nós plantamos e colhemos o sustento por algum tempo. Mas o Bem – era assim que eu chamava o Nicácio – quis muito tentar a profissão de vaqueiro. Então fomos morar numa fazenda muito grande esperando que as coisas melhorassem. No entanto daquela terra não podíamos tirar alimento algum, não nos era permitido plantar. Voltamos, então, para a nossa primeira casa.
A partir de então tive cinco filhos, uma morreu de doença de criança. Até hoje penso que foi por causa do nascimento dos dentes, assim diziam os mais antigos. Criados com muita dificuldade, nossos filhos aprenderam algumas lições com os dias difíceis e outras tantas, com a palmatória.
Depois de treze anos, construímos nossa casa na Malacacheta. Lá, além de plantarmos, fazíamos também trabalhos artesanais: chapéus, tapetes e bolsas de palha, coxins de retalhos e de fuxico. Depois vendíamos tudo em Pedras e comprávamos a comida que faltava.
A viagem até Pedras era sofrida, mas toda a família ia. Não tínhamos carroça e um jumentinho era o nosso transporte. Lembro que as duas meninas iam uma de cada lado dentro do caçoá, onde carregávamos também mercadorias; o menino ia montado no jumento no meio do caçoá e a mais novinha, nos meus braços. Ah, os maiores adoravam essa viagem! Além de andar de jumento, viam coisas e gente diferente nas Pedras.
Lembro que as roupas que meus filhos vestiam eram feitas à mão por mim mesma. Aquilo dava muito trabalho. Certa vez, me chateei porque não terminei uma roupa a tempo e então decidi comprar uma máquina, que me custou quinze mil réis. Facilitou o meu trabalho, mas ainda era cansativo porque ela era à manivela. Somente muito tempo depois adquiri uma máquina a pedal, essa sim era boa!
Depois de nossos filhos já casados e de já termos lutado e vivido muitos dias felizes, meu esposo adoeceu e isso me entristeceu bastante. Tivemos que ir morar na cidade para que ele tivesse um acesso mais fácil ao hospital. Infelizmente ele não conseguiu superar a doença e faleceu.
Lembro dele com muito carinho, especialmente às seis horas da noite, horário que nos reuníamos diariamente para rezar o terço. Mas são lembranças tão boas e tão constantes as que tenho dele, que sinto como se ainda estivesse ao meu lado em alguns momentos.
Maria das Graças de Sousa Silva, 3º B.
Texto escrito com base na entrevista com
Luzia Martins de Sousa, 87 anos,
agricultora aposentada.
Os anos passam,mas o verdadeiro amor continua vivo nos corações das pessoas do bem
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