PROJETO CONTA QUE EU CONTO

O projeto “Conta que eu conto” busca aproximar os estudantes do texto literário, em especial memórias literárias, a fim de explorar, além das características do gênero, outras possibilidades tais como a emoção, a criatividade, a intuição, as sensações, o aspecto lúdico e interativo. Além disso, propõe o encontro entre os jovens e destes com outras gerações para ouvir dos mais velhos histórias de vida, culturais ou sociais. Estas podem constituir um importante acervo de memórias e proporcionar aos jovens o resgate de sua identidade cultural bem como a percepção de que o tempo presente, momento sócio-histórico no qual nos situamos, é fruto dos caminhos e percalços do passado. Em outras palavras, conhecer “nossas” histórias significa conhecer a nós mesmos.

Uma outra possibilidade surge neste ponto: a percepção do valor do idoso em nossa sociedade. Uma sociedade que oprime a velhice de múltiplas formas e se apega exageradamente ao moderno e ao que é de consumo. Sufoca as lembranças e desmerece a função social do idoso, fonte de onde jorra a essência da cultura. (CHAUÍ in BOSI: 1994, p. 18)

Perceber jovens tocados ou seduzidos pelas narrativas e personagens das histórias significará uma importante conquista do Colégio Estadual Governador Flávio Marcílio na formação de leitores e de sujeitos mais sensíveis e portadores de múltiplas referências culturais e afetivas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

PRODUÇÃO TEXTUAL - MEMÓRIAS DE ALDA CORREIA LIMA



DE MENINA HABILIDOSA À MÃE CUIDADOSA


Bons tempos aqueles...!!! O respeito era imprescindível... E as famílias eram muito conservadoras, às vezes até demais. No meu caso, meu pai não me deixava estudar para que eu não me misturasse com os meninos. Porém queria que eu aprendesse, por isso me alfabetizou quando ainda era meninota e me ensinou a ler utilizando artigos de jornais.

Meu pai era um homem muito inteligente, frequentou a escola por somente seis meses, mas o que ele sabia naquela época superava o que muitos alunos de nível superior sabem hoje. Ele adorava ler. Sua imagem com um livro na mão é comum em minhas lembranças. Certa vez, ele advogou em favor de um amigo e ganhou o caso. Naquele tempo, como não havia advogado para esses lados, era comum isso acontecer.

Aos 14 anos aprendi a costurar sozinha e às escondidas, pois meus pais não me deixavam utilizar a máquina de minha mãe achando que eu iria quebrar tudo, afinal de contas uma máquina era uma peça muito valiosa naquela época. Então, quando eles iam dormir, depois do almoço, corria para os cajueiros para desmanchar meus vestidos e remontá-los. Costurava tudo à mão. Quando provei que era boa costureira, consegui comprar uma SINGER fabricada em 1910. Aquilo era uma beleza de máquina.

Em 1941, aos 21 anos, casei com um riograndense e fomos morar em uma casa de taipa de chão batido em Passagem de Russas. Lá tive dezenove filhos por quem fiz o que pude e um pouco mais. A mais velha escolheu nascer em uma data muito especial, no dia da passagem de Nossa Senhora de Fátima por Russas. Foi no dia 27 de novembro de 1953, quando todos foram para a cidade ver a festa. Eu fiquei sozinha em casa e entrei em trabalho de parto, passei seis horas à espera de alguém. Mas tudo deu certo e a criança nasceu com saúde.

Passados alguns anos, com mais filhos, trabalhávamos muito e éramos felizes. Havia fartura em nosso sítio. Plantávamos banana, limão, e muitas outras frutas, principalmente a laranja. Daquele nosso pedaço do paraíso, era comum sair de dois a três caminhões cheios de laranja que era revendida na capital.

Naquela época, ensinava meus filhos e outras crianças da vizinhança, à noite, em minha casa. Nossa sala se transformava numa verdadeira sala de aula. Apesar do meu cansaço, sentia-me feliz por realizar aquela tarefa diária. Sabia que ali estava o segredo para um futuro melhor para aqueles meninos e meninas.

Em tempo de festas de igreja, não havia cansaço que me impedisse de vir a pé de Passagem de Russas para o centro da cidade. Uma coisa que sempre vem a minha mente, quando lembro daquelas longas caminhadas, é a experiência dos mais velhos que diziam que se um cachorro ameaçasse as mulheres, bastava virar a barra do vestido que o cão pararia de latir. Acho que experimentei fazer isso certa vez e deu certo.

Lembro-me de que na época em que meus filhos mais velhos chegaram à idade de estudar, vim morar na cidade com eles, deixando os mais novos com meu amor no sítio. Passava a semana na cidade, mas quando chegava a sexta-feira, aprontava-me para voltar ao sítio para colocar as coisas em ordem e matar minhas saudades. Ah, essas eram muitas!! Respirar o ar daquele lugar e ver nossas plantas arreadas de deliciosos frutos renovava minhas forças para continuar naquela empreitada.

Hoje, sinto saudade daquele tempo tão bom e do meu companheiro que o destino levou. Mas todas as noites ele vem conversar comigo na minha cama e em seguida vai embora porque lá onde ele está é melhor do que aqui. Sou feliz porque meus filhos são bons e tenho o que todas as pessoas querem: uma grande família, uma saúde forte e uma grande história para contar.


Jonathan Martins, 1º D.

Texto baseado na entrevista com Dona Alda Correia Lima, 89 anos,

costureira aposentada, moradora do município de Russas.


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